terça-feira, julho 18, 2006

Rubro


A noite deflagrava. Toda ela era pó estrelado e purpúreo sobre os meus ombros meio despidos. Aquela batida electrónica estendia os seus frenéticos tentáculos pelo nosso corpo extasiado e já estéril de consciência. Tudo era brilho e luz e loucura. Molhava os meus lábios sedentos com o licor gelidamente doce que me ofereceste. De quando em vez cerrava os olhos e explorava intensamente aquela sinestesia que me assaltava e me fazia querer ficar e sentir e amar cada vez mais. À nossa volta as expressões eram o esquisso do prazer e as vozes o eco da sedução. Centenas de pessoas ilusoriamente apaixonadas, naquele instante. Entregues à música, entregues ao outro, entregues a si mesmas num narcisismo compulsivo. Centenas de pessoas rendidas à infinita dimensão das sensações! O meu olhar procurou-te por entre aquele mar irado de gente. Encontrei-te e sorriste só para mim de uma forma tímida, convidativa e expressamente sincera.. Retribui-te e vieste ao meu encontro. Agarraste suavemente a minha mão e, sem precisares de escolher palavras para me elucidar, mais do que para me convencer, levaste-me para longe desses potenciais voyeurs que insistem em ocupar os corredores, levaste-me para lá daquela parede de vidro que limitava o início da praia e funcionava como fronteira entre o agora e o depois. À medida que nos íamos aproximando lentamente do mar, a batida antes electrica ia sendo substituída por outra bastante mais melódica e refrescante, compassada pelo rebentar vulcânico das ondas da madrugada. E o som da promiscuidade estava cada vez mais distante, não passava de um ruído de fundo como aquele que é balbuciado através do orifício apertado de um búzio encontrado na areia...
Sentámo-nos naquele chão de veludo humedecido pela água. Beijaste-me loucamente enquanto inclinavas de forma subtil o teu corpo contra o meu e eu deixava-me empurrar pela tua magia.. tão tua.. sem abrir os olhos..adivinhando a cada fracção de segundo o encontro com a areia fria da qual cada vez mais me sentia a aproximar.
Já deitados, afastaste-te de forma a poderes olhar-me nos olhos. Parecia que me querias dizer alguma coisa. Alguma coisa mais do que a que transmitias com as tuas carícias desenhadas a medo. Esboçaste um sorriso em tudo semelhante ao que outrora me tinhas dirigido. Encostaste a tua cabeça junto à minha e, ambos de olhos fixos naquele céu de Verão, permanecemos em silêncio alguns segundos. Senti, nesse instante, um certo nervosismo infantil e, de repente, veio-me à cabeça a ideia de que o amor começa quando a ausência de palavras se torna incómoda e constrangedora. Quis afastar esse pensamento, lançá-lo ao mar e concentrei-me na volúpia que se fazia sentir ao longe, de onde há minutos havíamos fugido, na tentativa de me libertar daquela tensão emocional. Estávamos exaustos e aquele momento começava, aos poucos, a tornar-se confortável… Sentia-me bem contigo. Sentia-me segura. Sobretudo, sentia-me feliz.
Insisti para me revelares o significado desse teu sorriso, queria saber os pensamentos que sempre lhe deram forma e aos quais faltou apenas a coragem para se tornarem palavras. Foi a minha vez de te embaraçar. Gosto de te ver assim, sem saber o que dizer. É um estranho sentimento que surge quando nos damos conta que acabámos de tocar num assunto protegido por uma redoma, só porque encontrámos uma chave perdida… nós…e não outra pessoa qualquer. Delicia-me ter sentido esse poder sobre ti e delicia-me pensar que existem muitas mais redomas nessa alma com vontade de serem abertas e invadidas e desvendadas só por mim.... Respondeste-me com um “Tu sabes…”, que surgiu não só como uma forma de fugires à questão como também de projectares em mim a responsabilidade de fazer o inventário dos teus sentimentos. Isso torna-se um pouco perigoso para ti na medida em que eu agora poderia “saber” o amor, a paixão, o desejo que te corriam nas veias só porque confundi o que sabia com o que realmente queria de ti… senti-o como uma entrega da tua parte disposta a dissolver as minhas dúvidas, uma entrega exímia que ansiava por uma recepção de coração aberto e que se estendia cordialmente à minha volta sob a forma de uma fita vermelha à espera de ser fogosamente rasgada…

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Sem dúvida mto bem escrito. Conseguiste pôr em palavras um pedacinho daquela maravilha da vida chamada amor. Beijinhos. Rogério.

8:07 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O teu corpo é como um rio: começa por ser nascente, insinua-se limpidamente por entre os pequenos seixos que são os meus dedos, incapazes de o segurar.
Atravessa colinas, espraia-se vagaroso nas planícies, acaricia as margens do meu corpo, está cheio de peixes prateados.
Quando chega à foz transforma-se. Ganha força, ganha sal, torna-se imenso, enlouquece em ondas de espuma que rebentam contra mim com punhos e dentes e olhos cerrados. E eu já só quero afogar-me em ti.

Marta

10:48 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home