
"Valerá a pena? Remorsos, sim, é verdade, às vezes tenho remorsos. Vejo-me em sonhos como um pássaro negro, crepuscular, alimentando-se nas sombras, nos desperdícios, nos destroços, das vidas alheias. Mas, afinal, o que se leva da vida, senão remorsos? Remorsos do que podia ter sido e não foi e do que se perdeu depois de ter sido. Remorsos do que devia ter sido dito e feito e não foi a tempo ou do que foi demasiadamente dito e feito. Remorsos destes eternos desencontros, desta sensação de que nada existe no seu tempo certo, de chegar sempre tarde ou partir sempre cedo demais. Por que será que a seguir à noite vem sempre a manhã e de manhã pesa sempre nos olhos e na alma o que se fez e desfez de noite - um corpo húmido deixado num lençol de seda e o ladrão furtivo desse corpo abandonando o quarto que não é seu, em direcção ao vazio de tudo o que lhe pertence, inutilmente? "
Miguel Sousa Tavares in Não te deixarei morrer David Crockett
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"Porque não me dás um beijo?", pergunto-te com o olhar, enquanto te envolvo, confusa, num discurso incerto e arrastado, desgastante, de retórica seca e infértil. "Porque não me dás um beijo", enquanto vejo os lábios que anseio, desejo. Dá-mos, por favor, por segundos, devolver-tos-ei imaculados, não sentirás falta de algum bocado!
Porquê?
"Porque não me dás um beijo?"
"A luz arde entre os lábios,
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
essa perna é tua?, esse braço?,
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente á tua boca,
abre-se a alma à lingua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi facil, nunca,
também a terra morre."
Eugénio de Andrade
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